Espiritismo na Folha de São Paulo (26/04)

SUCESSO DO ALÉM – Obras Ligadas ao Espiritismo Aumenta Procura por Centros
Matéria do jornal Folha de São Paulo de 26 de abril de 2010 – Ilustrada.

Onda de Obras Ligadas ao Espiritismo Aumenta Procura por Centros e Ajuda Espíritas e Simpatizantes a “saírem do armário”.

Por Fernanda Mena Laura Mattos, da reportagem local.


O fenômeno de bilheteria do filme “Chico Xavier” e a onda de produções ligadas ao espiritismo, que têm marcado 2010, estão ajudando espíritas brasileiros a “saírem do armário”.

“O discurso de reconhecimento da doutrina e de figuras centrais do espiritismo vai ajudar muita gente a assumir que é espírita”, avalia Célia Arribas, socióloga e pesquisadora da USP, autora do livro “Afinal, Espiritismo É Religião?” (Alameda Editorial), com lançamento previsto para maio. “Usando uma linguagem figurativa, é possível dizer que eles vão sair do armário.”


Para Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), a difusão da doutrina realizada pelo filme, já visto por mais de 2 milhões de brasileiros, é um marco. “O espiritismo era um, antes de 2010, e será outro, após o final deste ano”, analisa.

“Esse impacto fica visível na crescente demanda por informações que, desde a estreia do filme, tem ocorrido nos centros espíritas de todo o país.”


Junte-se ao sucesso do filme a novela “Escrito nas Estrelas”, da TV Globo, que teve audiência média, nas duas primeiras semanas, superior à de suas antecessoras no horário. Na trama, o protagonista morre e segue o enredo como espírito.

Além disso, até o final do ano, devem ser lançadas uma minissérie na Globo e três filmes em que a vida após a morte ou a mediunidade tem papel principal. Entre eles, chega aos cinemas em setembro o filme “Nosso Lar”, baseado em livro homônimo de Chico Xavier, que já vendeu cerca de 2 milhões de exemplares desde sua primeira edição, em 1944.

Ser ou não ser


O sucesso de obras de temática espírita, no entanto, não pode ser explicado apenas com dados de pesquisas demográficas, que apontam existir no país cerca de 4 milhões de espíritas declarados. Segundo estimativa da FEB, somados praticantes e simpatizantes, esse número deve chegar a 23 milhões de brasileiros. Isso porque espiritismo não é uma religião proselitista. Logo, frequentar um centro espírita é diferente de ser espírita.

“Vou a um centro, mas também sou judia”, diz Sandra Becher, 30, na saída de uma sessão do filme de Daniel Filho.

Hoje, há cerca de 12 mil centros espíritas no país – número que dobrou na última década. Ainda assim, Luís Eduardo Girão, produtor associado de “Chico Xavier”, conta que o filme enfrentou dificuldades de financiamento “porque ainda existe a discriminação”.

Herança dos tempos em que praticar espiritismo era crime, como rezava o primeiro Código Penal do Brasil República, de 1890 – cujos efeitos práticos se estenderam até 1945. A saída encontrada pela elite brasileira, que traduziu a obra de Allan Kardec do francês para o português, foi a produção de uma literatura que introduzisse princípios espíritas numa linguagem romanceada, de maior penetração. Afinal, quem é que não quer saber como é a vida após a morte? Foi a popularização da chamada literatura espírita, estandarte das listas de mais vendidos, que abriu caminho para a boa performance do espiritismo no cinema e na TV.

“Este é um mercado que se tornou promissor economicamente”, explica Sandra Stoll, autora do livro “Espiritismo à Brasileira” (Edusp). “As produções cinematográficas têm apenas capitalizado um público simpatizante e predisposto, que é enorme.”


Centros espíritas são laboratórios de promoção de filmes


Produtores promovem pré-estreias especiais para adeptos da doutrina e estimulam estratégias de divulgação boca a boca.


Pesquisas de opinião com religiosos reorientam roteiros de filmes, em que simpatizantes atuam por trás e diante das câmeras Da reportagem local.

“Bezerra de Menezes – O Diário de Um Espírito”, de 2008, se tornou um exemplo clássico de como obras ligadas ao espiritismo podem se tornar fenômeno de público, especialmente se contarem com o boca a boca dos adeptos da religião.

Projeto de um empresário de turismo de Fortaleza, o longa-metragem não investiu em publicidade e foi exibido em apenas 44 salas de cinema no país – lançamentos grandes costumam chegar a mais de 300.

O filme sobre o médico e político cearense do século 19, chamado de “Allan Kardec brasileiro”, surpreendeu grandes investidores do cinema ao atingir 505 mil espectadores e ter mais de 41 mil DVDs vendidos.

Espírita, Luís Eduardo Girão não se aventurou no cinema sem antes fazer duas apresentações laboratoriais em grandes eventos ligados à religião: o Fórum Espiritual Mundial, no Brasil, e Congresso Espírita Mundial, na Colômbia.

“Com a reação das pessoas, mudamos completamente o projeto e abandonamos a ideia de docudrama”, conta Girão, que criou a produtora Estação Luz Filmes e está filmando outro longa espírita, “As Mães de Chico Xavier”, além de ter se tornado investidor e produtor do filme de Daniel Filho.

Diretor-geral da Sony Pictures no Brasil, distribuidora de “Chico Xavier”, Rodrigo Saturnino conta que a bilheteria recordista foi também consequência de “um trabalho de divulgação com espíritas, como pré-estreias para dirigentes de entidades e divulgação via internet para os centros”.

Silvia Puglia, presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo, conta que houve uma verdadeira corrente entre os centros espíritas para divulgar “Bezerra de Menezes” e “Chico Xavier”. Ela foi convidada para uma das pré-estreias do longa de Daniel Filho dirigidas a entidades espíritas.

Estratégia semelhante será usada pelo longa “Nosso Lar”, baseado em livro de Chico Xavier e coproduzido pela Fox, a ser lançado em setembro.

“Estamos fazendo um trabalho junto aos centros espíritas. Teremos sessões especiais organizadas por essas entidades. Muitas delas já estão nos procurando e vão nos dar um grande suporte. O boca a boca entre espíritas é muito importante”, diz a produtora do filme, Iafa Britz, que tem no currículo os sucessos de bilheteria “Se Eu Fosse Você 1 e 2”.

Britz é judia e espírita. Já o diretor, Wagner de Assis, é católico e espírita. “Nós costumamos fazer obras com as quais nos identificamos”, conta a produtora.

Esse é também o caso de outro novo diretor de obras espíritas. Tomy Blazic dirigirá “Ninguém É de Ninguém”, baseado em livro da autora de best-sellers espíritas Zíbia Gasparetto. “As pessoas têm curiosidade de entender como o outro lado é”. Girão completa: “O gênero veio para ficar”. Reportagem de Laura Mattos e Fernanda Mena.

Acidente na Globo Torna Ator Espírita


Após acidente na Globo, Carlos Vereza se converteu ao espiritismo.

Intérprete de Bezerra de Menezes no cinema e de um espírito na atual novela das seis da Globo, Carlos Vereza, 69, é espírita desde 1990. À Folha, contou ter procurado um centro espírita após sofrer acidente de trabalho na Globo que o levou a ter labirintite e depressão. Leia entrevista com ele:

O ator Carlos Vereza, 69, recebeu apenas cachê simbólico para interpretar o protagonista do filme “Bezerra de Menezes – O Diário de Um Espírito”. Espírita desde 1990, ele também está feliz com o papel do espírito de luz Athael na novela das seis da Globo, “Escrito nas Estrelas”. Em entrevista à Folha, o ator contou ter se convertido ao espiritismo após sofrer um acidente de trabalho na Globo.

“Eu não tinha nenhuma religião. Sempre acreditei em Deus, mas esse mundo era distante. Você chega ao espiritismo pelo amor, pela dor ou razão. Eu sofri um acidente de trabalho na Globo, um tiro, um efeito especial mal feito. Colocam pólvora no local e acionaram por um controle remoto. Era um seriado medíocre chamado Delegacia de Mulheres”, lembrou.

Vereza conta que seu ouvido interno foi atingido. “Fiquei com labirintite e tive que parar de trabalhar, o que me levou à depressão. Os médicos diziam que não tinha como resolver. Fui internado em várias clínicas. Procurei o centro Frei Luiz, indicado por uma tia católica que me disse que um primo havia sido curado lá de leucemia. Em sete meses, eles me curaram”, disse.

Depois disso, Vereza se tornou médium e é voluntário no centro até hoje. Ele acredita que o sucesso do filme “Bezerra de Menezes”, visto por mais de meio milhão de pessoas, abriu uma “corrente de obras espiritualistas”. “Se está tendo sucesso, e isso é lei de mercado, é porque as pessoas estão precisando. Os produtores fazem pesquisas e começam a perceber que o público precisa de um pouco de paz, de uma respiração”.

Sobre a novela, cujo protagonista morre no primeiro capítulo e segue como espírito na trama, Vereza disse que, até onde leu o roteiro, “está absolutamente fiel à doutrina espírita”.

Comentário


Ao final, não se aplaude o filme, mas a memória do médium Chico Xavier. Por Nina Lemos, colunista da Folha.

Na entrada da sala, cerca de 200 pessoas esperam agitadas. “Aqui é a fila do Chico Xavier?”.

A pergunta é feita a cada cinco minutos. Parece que vamos, de fato, encontrar o famoso médium para pedir um passe, uma carta psicografada. A cena ocorre num domingo no Shopping Frei Caneca, São Paulo.

Grupinhos de senhoras vestindo moletom chegam agitadas. A frequência do shopping, famoso por ser point gay, é alterada graças à magia do espiritismo. Meninos abraçados convivem em harmonia com senhoras em cadeiras de rodas conduzidas por suas filhas. Prova de que Chico Xavier, além de lotar cinemas, produziu o milagre da tolerância… O clima de centro espírita é reforçado pelas conversas na fila. Com ar de expectativa, os cinéfilos-espíritas falam sobre coisas do além. “Você já viu no Youtube a cena da morte dele, é chocante, aparece uma luz”, conta às amigas a dona de casa Valéria Pizzutti, 48, kardecista.

As conversas sobre as coisas que acontecem “do lado de lá” contagiam até quem não é espírita de carteirinha. “A gente sempre tem curiosidade sobre as coisas sem explicação, sou meio mística”, diz a cabeleireira Josefa dos Santos, 40.

Não estamos entrando para uma exibição comum, mas numa espécie de sessão espírita.

O clima de culto aumenta na sala de cinema lotada. Quando Chico Xavier reza, as pessoas rezam baixinho. Em outros momentos, sussurram músicas religiosas. A plateia vibra em cada cena engraçada. Mas, mais que isso, se acaba de chorar. De verdade. Na cadeira ao lado, uma senhora está aos prantos. Quando o espetáculo acaba, ele é aplaudido entusiasticamente. Não, não estamos aclamando o filme, mas sim Chico Xavier, e a possibilidade de ter explicação para aquelas coisas que acontecem “do outro lado”.

“Que coisa mais linda! Falaram que em toda sessão é assim”, comenta a vizinha de cadeira com sua amiga.

Na saída, o clima de alegre expectativa muda. Todos estão em silêncio. Respeitosos. Impossível não comparar isso com a saída de uma missa. Ou de um culto em um centro espírita de verdade. Mas, no fundo, não foi isso que aconteceu na sala de cinema do shopping?

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