“Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse:
Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que
lhe atire pedra”. (João 8: 7)
A lição do Evangelho de João conhecida como a da “mulher adúltera” tem sido, ao longo dos séculos, tema inspirador de religiosos, literatos e artistas e se inscreve como uma das mais belas e expressivas lições que Jesus legou à posteridade.
O episódio narrado pelo discípulo amado ocorreu em uma pregação na velha Jerusalém:
“ De madrugada, voltou novamente para o templo, e todo o povo ia ter com ele; e, assentado, os ensinava.
Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos,
disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.
E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas: tu, pois, que dizes?
Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.
Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.
E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.
Mas ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.
Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: mulher, onde estão aqueles teus acusadores? ninguém te condenou?
Respondeu ela: Ninguém, Senhor. Então lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno: vai, e não peques mais.”
Os ensinamentos que emergem desses versículos, aparentemente simples, são de inesgotável profundidade e raríssima beleza.
Um deles é quando Jesus insiste na revogação de ditames da conhecida Lei de Talião, ou do olho por olho, dente por dente, instituídos por Moisés com a finalidade de inibir a prática de crimes contra a vida e os costumes que, no caso do adultério, preceituavam a pena de morte pelo apedrejamento.
É inegável que o adultério está inscrito na relação dos Dez Mandamentos como conduta que o homem e a mulher devem se esforçar em não incorrer, porque manifestamente contrário à Lei de Amor; todavia, a punição com a pena capital, como ditava o código mosaico, fazia parte de uma legislação humana, que, em nenhum momento, Deus consagrou, e Jesus não vacilou em abolir.
Também de transcendental importância é o convite que o Mestre endereça àqueles que se julgam no direito de atirar pedras ao semelhante a fazerem uma pausa para meditação, analisarem-se introspectivamente e, revisando os próprios atos, pesarem sobre a justeza de um veredicto condenando o procedimento de seu próximo.
Fica claro, na inteligentíssima resposta de Jesus aos escribas e fariseus, que, na realidade, queriam mesmo incriminá-lo, que os defeitos e imperfeições humanos são de diversas ordens e, se uma pessoa não incorre no erro alheio que julga, no caso em exame o adultério, pode estar incursa em outros delitos, que, muitas vezes tolerados pela óptica da sociedade, apresentam-se com resultados muito mais nocivos ao daquele que reputa intolerável.
É a prodigalidade que nós, humanos, temos, consoante fez Jesus observar, de enxergarmos com muita facilidade o argueiro no olho do próximo, olvidando a trave que trazemos em nossas próprias vistas.
Quando Jesus diz à mulher adúltera “nem eu tampouco te condeno: vai e não peques mais”, ensina-nos a termos indulgência para com o próximo e que, ao invés de aplicarmos a lapidação moral, devemos ofertar uma palavra amiga, uma ajuda sincera para que a criatura desperte e busque o caminho reto que deixou à retaguarda.
Jesus deixa evidente que a reabilitação moral depende do esforço pessoal de cada um e, para tanto, o arrependimento efetivo é o primeiro passo e que ninguém, ainda que investido da chamada “autoridade religiosa”, tem poderes para perdoar pecados de quem quer que seja ou condená-los, como se eleito fosse para a função de julgador.
A Doutrina Cristã pugna pelo respeito absoluto entre as criaturas; prega que somos filhos de um mesmo Pai, que é Deus; demonstra que não devemos nos esquecer que um chamado “pecador”, segundo nossa maneira de ver, é um irmão nosso que reclama compreensão, respeito, solidariedade, tolerância, direcionado para o progresso como todas as outras criaturas de Deus e que o nosso exemplo, na luta por reverter atitudes, é sempre a melhor prescrição.